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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Carta ao Rev. Dr. Augustus Nicodemus

Por Cássia Janeiro

Caro Rev. Dr. Augustus Nicodemus, Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie:


Li o manifesto que o senhor publicou, no qual defende o direito a pregar contra práticas homossexuais. Confesso que ele me deixou com sérias dúvidas e peço-lhe paciência divina para com a minha ignorância.


Estou preocupada com o meu papel de cristã. Em seu manifesto, o senhor reduz as pessoas  - os homossexuais - a uma condição. A fim de fugir da primeira tentação, a da precipitação, procurei compreender suas palavras. No entanto, analisando justamente a minha própria  condição, minhas dúvidas aumentaram ainda mais.


Em primeiro lugar, sou mulher e essa minha condição me parece já me colocar numa espécie de prefácio do Inferno, já que "foi pela mulher que começou o pecado, e é por culpa dela que morremos" (Eclesiástico, 25, 24). Mesmo procurando fazer o bem e tentando ser uma pessoa decente, a condenação me pareceu inexorável, já que "é melhor a maldade do homem do que a bondade da mulher" (Eclesiástico 42,14).


Devo imaginar que sua Universidade não aceita alunas, posto que seria um contrassenso. E, se fossem aceitas, evidentemente haveria de se esperar que passassem por uma "vistoria" e ganhariam uma espécie de certificado de virgindade. Quem sabe, um selinho daqueles que ganhamos quando passamos pela inspeção veicular.


Mas, voltando à minha infeliz condição, além de mulher, estudei, lecionei, em inúmeras ocasiões me manifestei publicamente, como agora, e, pior, muito pior, não sou submissa. Peço-lhe que me oriente sobre como fugir do fogo eterno! Fiquei assustadíssima quando li "que as mulheres fiquem caladas nas assembleias, como se faz em todas as igrejas dos cristãos, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como também diz a lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, perguntem aos maridos em casa" (1 Coríntios, 14, 35-34).


Devo confessar que, além de todos esses pecados, minha mãe é espírita. Embora não professe da mesma crença, "qualquer mulher ou homem que evocar espíritos, será punido de morte" (Lev 20, 6 - 27). Bem, já vi minha mãe evocando esses espíritos. Devo eu mesma aplicar a pena ou recorrer ao senhor ou a um Conselho dos Anciãos para banir minha mãe da vida?


Mas gostaria ainda de dizer algumas palavra sobre os homossexuais. Conheço muitos, homens, mulheres, cidadãos... Um dia alguém disse que os judeus, os ciganos e, pasme!, os homossexuais, eram outra categoria de gente e já conhecemos o final da história. Como é possível que o senhor não tenha aprendido nada? Como o senhor pode pregar a intolerância e se atrever a julgar as pessoas por práticas que não lhe dizem respeito? Quem lhe deu esse direito? Jesus, que afirmou: não julgueis para não serdes julgado?


Confesso que fiquei atordoada quando li seu manifesto, mas meu coração encontrou alívio e juro que pensei com ternura no senhor e em seu manifesto quando li: "Paiperdoa-lhesporque não sabem o que fazem” Lucas 23.34.